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@padreluiserlin

A pureza de coração

A palavra “pureza” parece ter caído em desuso na atualidade. Talvez o uso excessivo dessa expressão tempos atrás, de forma moralista, faça com que a sua aplicação hoje seja restrita ou incompreendida. 

“Pureza” é oriunda do latim pūritās - condição ou estado de puro; ausência de qualquer vestígio que contamine, polua ou suje. 

Pureza, para a tradição cristã, é não se deixar corromper interiormente. Neste caso, podemos dizer que é o desejo original de Deus ao criar o homem e a mulher imagem e semelhança dele. 

Todos temos impresso em nós aquilo que Deus é em essência, porém nos é dado o livre-arbítrio. Quando nascemos, começamos a receber uma série de informações que de alguma forma irão moldando nossa personalidade. 

Na Psicologia, estudamos que o meio influencia as pessoas, mas não determina seu caráter; tudo depende da personalidade de cada um. Diferentes entre si, somos únicos, porém temos em nossas mãos a graça da liberdade. É aí que compreendemos a pureza numa visão cristã, que é o desejo de se manter em estado puro, sem qualquer pecado que contamine. 

Ou seja, apesar de toda carga “negativa” que recebemos, manter-se puro é conseguir fazer uma escolha pelo “DNA” divino impresso em nós. Isso não tem nada a ver com religião, pois até mesmo os que se consideram incrédulos são movidos por uma norma ética que sinaliza para a consciência.Todos nós sabemos o que é certo e o que é errado; essa consciência para alguns teólogos é a marca, o selo, o dedo criador de Deus em nós. 

A pureza é, portanto, escolha. Não é estar separado de um mundo que consideramos pecador ou pervertido, mas, em meio ao pecado, optar pela santidade. Se não fosse assim, Deus não nos teria dado o livre-arbítrio. Seria muito simples: nasceríamos e viveríamos como robôs, seguindo as ordens pré-estabelecidas de quem nos programou. Não fomos programados; fomos gerados. 

A não compreensão deste termo fez com que o cristianismo perdesse muito no decorrer dos séculos, pois o seu uso ficou restrito à questão sexual. Ainda hoje, sentimos os efeitos dessa visão. Embora a pureza também se refira à castidade sexual, essa expressão vai além: está relacionada à santidade na totalidade. 

É comum ouvirmos no confessionário: “Padre, pequei contra a pureza”. E os pecados que sucedem fazem alusão à não vivência da castidade. Porém, outros pecados também relacionados à pureza ficam esquecidos, por falta de conhecimento. 
Pecar contra a pureza, além da questão sexual, é não viver o plano original que Deus tem para seus filhos. Não viver a grande marca da presença divina em nós e que nos torna semelhantes a ele, ou seja, a capacidade de amar. Todo o pecado que faz referência à falta de amor é pecado contra a pureza, pois estamos nos deixando contaminar. Neste sentido, podemos afirmar que toda pessoa pura é casta, porém nem todo casto é puro. 

A pureza precisa ser uma virtude vinda verdadeiramente do coração: “Para os puros todas as coisas são puras. Para os corruptos e descrentes nada é puro: até a sua mente e consciência são corrompidas.” (Tito 1,15) 

Ser casto não é a garantia de pureza aos olhos de Deus, pois de nada adianta a ascese corporal se nossa alma está corrompida. Alguns se imaginam puros, pois se privam disso ou daquilo, porém são implacáveis em julgar e condenar os demais. 

Lamentavelmente, isso costuma acontecer muitas vezes na vida religiosa: o voto de castidade é um testemunho de amor irrestrito para o mundo, mas se não for feito na pureza original, de nada serve. Acaba sendo um fardo pesado para aquele que o professou, e pior, corremos o risco de compensar o voto de castidade em atitudes de domínio opressor de tudo e todos que nos cercam. 

(Este artigo é uma adaptação do capítulo Sexto Caminho – A Pureza de Coração, do livro 8 Caminhos para a Felicidade – as Bem-Aventuranças, escrito pelo padre Luís Erlin e editado pela Editora Ave-Maria)

Originalmente publicado na revista Ave Maria, seção Testemunho de Vida,  edição de janeiro de 2015