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Feridas sempre deixarão cicatrizes

A nossa existência talvez nos reserve algumas grandes feridas, que nunca serão curadas. Neste caso, é impossível ter uma vida digna sem paciência, sem tolerância com nossa própria natureza. Com o tempo, conseguimos aliviar a dor que algumas feridas nos provocam. Em alguns casos, o feri- mento até pode ser estancado, mas as cicatrizes ficarão, como sinal permanente da argila que somos. As cicatrizes da alma, vez ou outra, também podem provocar dores. Algumas feridas são muito grandes para serem esquecidas; mesmo de- pois de fechadas, elas ainda pulsam.


No entanto, no esforço para não sofrer, muitas vezes forçamos a cauterização da chaga. Aparente- mente está tudo bem, vivemos um bom tempo em tranquilidade ou uma pretensa tranquilidade, pois corremos o risco de infeccionarmos ainda mais aquela ferida. As piores chagas são aquelas que vão se alastrando, dominando todo o ser, e mesmo assim não as admitimos. Quando agimos assim\r\n(tentando mascarar o problema), além de sofrermos, provocamos sofrimentos na vida das pessoas que nos rodeiam e nos tornamos um peso insuportável para os nossos familiares, parentes e amigos.


Essa tentativa de forçar a cicatrização pode fazer com que todos à nossa volta percebam que não estamos bem, apesar de continuarmos negando qualquer problema. Na tentativa da defesa de nosso ego, responsabilizamos os outros pelos nossos males, os males de nossa família, até os males do mundo. É comum encontramos pessoas extremamente amargas e rancorosas, pessimistas ao extremo; essas pessoas frequentemente projetam seus problemas nos outros. Lembro-me de uma passagem do profeta Jeremias, que pode nos instruir para toda a vida:



“Fez-me o Senhor contemplar esta visão: colocadas diante do templo do Senhor estavam duas cestas de figos. (Isso foi depois que Nabucodonosor, rei de Babilônia, havia deportado de Jerusalém Je­conias, filho de Joaquim, rei de Judá, juntamente com os chefes de Judá, e seus carpinteiros e ser­ralheiros). Uma das cestas continha ótimos figos, como o são os prematuros; a outra, porém, tão maus que nem mesmo se podiam comer. Disse-me o Senhor: Que vês, Jeremias? Figos, respondi; excelen­tes uns, péssimos outros, que nem mesmo servem para comer. Foi-me então dirigida pelo Senhor a pala­vra, nestes termos: Eis o que dis­se o Senhor Deus de Israel. Assim como contemplas (com prazer) os figos bons, assim também olharei favoravelmente os desterrados de Judá que destes lugares exilei para a terra dos caldeus. A eles lançarei olhar benévolo\r\ne os reconduzirei a esta terra, onde os restabelecerei para não mais arruiná-los, e de novo os plantarei sem que os torne a arrancar. Dar-lhes-ei um cora­ção capaz de conhecer-me e de sa­ber que sou eu o Senhor. Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus porque de todo o coração se volta­rão a mim.” (Jeremias 24, 1-7)



Talvez aquilo que desprezamos em nós seja justamente o que o Se­nhor olhe com mais carinho. As fe­ridas que são cicatrizadas em nós tornam-se um testemunho para o mundo da mão de Deus em nossa vida. As feridas que não tiverem cura são a manifestação máxima de como Deus nos ama; mesmo com nossas fragilidades, ele quer estabelecer aliança.


Somente quando nossas feridas são aceitas por nós, temos a capacidade de conhecer e devo­tar nossa vida ao Senhor. Os fi­gos bons de nossa alma são um louvor ao Senhor, porém os figos que consideramos vergonhosos tornam-se a súplica de nossa alma que o Senhor quer ouvir; reconhecemos através de nossa chaga que precisamos dele.


(Este artigo é uma adaptação de um capítulo do livro Onde estão tuas feridas, aí está tua salvação, escrito pelo Pe. Luís Erlin e publicado pela Editora Ave-Maria)



Originalmente publicado o editorial da revista Ave Maria, edição de janeiro de 2016