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O coração imaculado de Maria

Nesse episódio do Evangelho de Lucas, Jesus tem apenas 12 anos. O número 12 na Sagrada Escritura representa totalidade: são 12 as tribos de Israel, simbolizando todos os povos; são 12 os discípulos, indicando que toda a humanidade é chamada ao seguimento do Mestre. 

Seus pais iam todos os anos a Jerusalém celebrar a Páscoa Judaica. Depois das festividades, sem que José e Maria percebessem, o menino fica em Jerusalém. 

A comitiva caminha um dia, e os pais de Jesus imaginam que ele esteja com amigos ou parentes. O desespero é geral: ele não se encontra na caravana, imaginam que ele se perdeu. Retornam aflitos em busca do filho e o encontram após três dias. Três também é um número simbólico, o profeta Jonas ficou três dias no ventre da baleia, mas depois voltou à realidade; Jesus, após sua morte, fica sepultado durante três dias, mas depois volta à vida. Durante três dias o coração de Maria e José também ficaram sepultados e apreensivos. Três dias é o tempo que a semente demora para arrebentar a casca e contemplar o sol. 

Em Lucas, Jesus é representado como um adulto, que fala com autoridade e propriedade sobre o Pai. Ele é encontrado sentado entre os doutores, falando de igual para igual, despertando espanto, admiração, surpresa. Diz o texto que ele responde às perguntas, ou seja, o menino já é considerado mestre. 

Maria, ao encontrar o menino, desabafa como mãe: “Meu filho, que nos fizeste?”. Como toda mãe, ela tem o filho como sua propriedade. Jesus trata logo de desfazer essa ideia. Ele não é posse de ninguém, é universal. Nada poderá retê-lo, pois sua missão está acima de tudo. 

A princípio, os pais de Jesus não compreendem as palavras duras do filho. Mas, mesmo não compreendendo, Maria não fica revoltada, guarda todas aquelas coisas no seu coração. Maria só passa a entender essas palavras depois que Jesus inicia sua atividade pública, aos 30 anos. Ela sabe que no tempo oportuno a revelação será completa, não busca adiantar os fatos, tentando descobrir ou desvendar o futuro. Tudo tem seu tempo, essa verdade lhe transmite paz.

 Muitas vezes, vivemos o hoje querendo saber do amanhã. Pior é quando vivemos fantasiando o futuro e nos esquecemos de que a vida acontece agora. 

Quando sonhamos com aquilo que aspiramos para o futuro e transformamos isso em meta de vida, corremos o risco de viver frustrados. Mesmo que cheguemos lá, se não tivermos um objetivo maior, a felicidade não caminha com a meta. 

Maria deposita o futuro nas mãos do Pai que a escolheu e amou, trabalha o hoje, sonha em conformidade com a vontade de Deus, e ele mesmo vai conduzindo a história, com cada coisa, fato e acontecimento no tempo certo.

Sua mãe guardava todas estas coisas no coração 

Maria nos ensina que não temos domínio sobre nossa história. Não nascemos quando queremos, nem sempre vivemos da forma como gostaríamos, não morremos quando achamos que chegou a hora; tudo é mistério, tudo é graça de Deus. 

Guardar os fatos no coração é atitude de sabedoria. Quando somos sensíveis, sabemos colher tesouros no deserto. Maria sabe guardar a Palavra no coração, pois, com toda certeza, ela já vivenciava em sua fé o ensinamento posterior de Jesus: “Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado” (Mateus 6,34).

O coração de Maria é imaculado porque ela só guarda nele o que de fato importa. O coração de Maria não fi ca manchado por rancores, por ódio, por vingança e por sentimentos de soberba. Imitar Maria é saber purificar o coração, é limpá-lo de tudo aquilo que nos distancia, dos sentimentos do próprio Deus. Não é compatível querer que Deus habite em nós, sem fazermos um esforço de prepararmos casa digna para o Altíssimo.

“Quem se une ao Senhor torna-se com ele um só espírito” (1Coríntios 6,17).


Pe. Luis Erlin, cmf  


Artigo publicado originalmente na seção “Testemunho de Vida” da Revista Ave Maria, edição de julho de 2011